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A realidade dos profissionais do futebol do interior

Angústia e incertezas pairam sobre os profissionais do futebol do interior no país

  1. Publicado em 27/05/2020
A realidade dos profissionais do futebol do interior Foto: Juliano Holderbaum/MasterLynK

A realidade dos clubes do interior da elite do futebol gaúcho em meio à pandemia se encontra em situação delicada, variando no nível de agravamento das consequências sofridas pela paralisação. Porém, o cenário se torna ainda mais preocupante quando se observa os clubes da Divisão de Acesso e da Terceirona Gaúcha, que empregam mais de dois mil profissionais. 

A angústia e as incertezas pairam sobre centenas de profissionais empregados em clubes do interior do Estado. Se as dificuldades enfrentadas pelos atletas e funcionários do futebol já eram expressivas, por conta de um calendário que, para a maioria, dura menos de um semestre, a pandemia pode torná-las ainda maiores. No entanto, o período também pode ser observado como uma oportunidade propícia para a reflexão sofre o futuro do esporte no Estado.

O atacante do Veranópolis Vinícius Martins, o qual fez parte do acesso do Esportivo à elite do futebol gaúcho em 2019, está na espera do retorno do futebol, mas os números da pandemia no Brasil o deixam aflito devido às incertezas. “Deixa-nos um pouco apreensivos e causa até um pouco de medo do campeonato não voltar. Apesar da FGF já ter pré-estabelecido o mês de agosto para o retorno, tudo fica meio incerto, pois dependemos da melhora dos números da pandemia. Resta-nos torcer para que tudo melhore logo”, salienta. 

Segundo o técnico do Pentacolor, Cristian de Souza, o clube incluiu os atletas e a comissão técnica na Medida Provisória 936 do governo, assim como fez o Esportivo e outros clubes do interior. O Veranópolis pretende dividir a folha salarial dos meses de inatividade (junho e julho) com os dois meses que, em tese, o campeonato ocorreria (agosto e setembro). De acordo com Cristian, a proposta foi aceita pela grande maioria dos profissionais. 

Foto: Kévin Sganzerla

A medida adotada pela direção do VEC se baseia na busca por manter a integridade financeira do clube. Tal ação, por óbvio, traz consequências aos atletas, mas, ao mesmo tempo, a tranquilidade de se manterem empregados. “Traz uma dificuldade para os profissionais, mas, no momento, é o possível e estamos muito preocupados com o seguimento desses clubes, pois as dificuldades já eram enormes e agora está, de uma certa forma, muito maior, e vai trazer dificuldades até para a continuidade dos clubes”, comenta Cristian, que completa neste ano 20 anos de carreira no futebol. 

A Divisão de Acesso realizou até o momento três rodada. Os poucos meses de trabalho, segundo Cristian de Souza, no entanto, foram por água abaixo devido à pandemia. E as consequências, sobretudo para os atletas que já tinham um histórico de inatividade no segundo semestre, serão ainda mais severas. 

“A maioria deles não trabalham o ano todo. Eles já vinham de um tempo de inatividade quando começou a Divisão de Acesso, jogadores que estavam desde da metade do ano passado sem receber salário, sem ter rotina de treinamento. Trabalhamos um mês e meio na pré-temporada, se jogou menos de um mês e se parou novamente. A dificuldade financeira de todos deve estar bem grave. E nem se fala na questão esportiva, a questão de condicionamento físico, de preparação. Como é que vai estar a situação psicológica de todos os envolvidos?”, ressalta o treinador.  

Devido às dificuldades do futebol do interior, Cristian prevê uma brusca queda na qualidade dos jogos, sobretudo pela condição física e técnica dos jogadores. “Vemos na televisão os jogadores de ponta malhando, se exercitando em suas academias particulares, muitos deles com treinadores particulares. Mas isso é uma infame parte da realidade do futebol. Nosso jogador está parado. Alguns estão fazendo bicos em outras funções para ajudar a sua família e tentando fazer alguma atividade como corrida ou academia, mas nada perto do que é uma rotina de treinamento”, relata.

No interior gaúcho há diversos atletas que deixaram de lado a chuteira e optaram por exercer outras atividades momentâneas para auxiliar nas despesas de casa. Há exemplos deste fato inclusive no elenco do Veranópolis. Um dos atletas do plantel, por exemplo, que optou por preservar seu nome, está trabalhando em uma padaria para auxiliar nos custos da família.

Tal situação já foi vivenciada por muitos atletas, mesmo quando não houve um cenário inédito como a pandemia. “No ano de 2017 fiquei desempregado no segundo semestre. Tinha algumas economias e consegui me virar jogando campeonatos amadores e com algumas outras atividades. Minha situação é um pouco mais “confortável” por não ter esposa e filhos, mas sabemos que a realidade da grande maioria é bem diferente e muitos realmente passam apuros pela falta de calendário da maioria dos clubes do futebol no Brasil, gerando grande número de desemprego na nossa área”, ressalta o atacante. 

Foto: Juliano Holderbaum/MasterLynK

Momento para reflexão:

Diante de um calendário que desemprega centenas de atletas no segundo semestre, a pandemia tornou-se um momento oportuno para discutir e refletir como o futebol é gerido no país. De acordo com o técnico Cristian de Souza, 62% do elenco que foi montado para o Veranópolis disputar a Divisão de Acesso são jogadores que estavam inativos no segundo semestre de 2019. “Essa é realidade de todos os clubes da Divisão de Acesso e da maioria dos clubes do interior no país”, explica.

O cenário não é nada propício para os clubes do interior, tampouco para os atletas. O técnico Cristian de Souza, juntamente com outros treinadores do interior, está desempenhando a construção de um novo modelo de calendário, que compactue com os interesses e opiniões das várias partes envolvidas, e que aumente a porcentagem do trabalho dos profissionais no futebol durante o ano, atualmente, limitados a praticamente menos de um semestre. “Podemos usar esse momento delicado para algo de reflexão do futuro. Temos que buscar um calendário mais humano, mais profissional”, explica. 

Enquanto a pandemia não se findar, os atletas seguem tentando, dentro de suas limitações, seguir uma rotina de treinamentos com a expectativa do retorno aos gramados. “Tentamos manter a condição física do jeito que dá. Treinar em casa, dar uma corrida pela cidade, fazer algum trabalho físico em algum local sem risco, mas não é a mesma coisa. Sentimos falta do dia-a-dia do clube, do ambiente profissional. A esperança é que isso passe logo, e que essa pandemia talvez sirva para as entidades do futebol repensarem e dar uma atenção maior para todas as esferas do futebol”, conclui o atacante pentacolor. 

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